Embranquecer por linguagem Uma análise das alterdeclarações de cor/raça no Brasil

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    Stéphanie CASSILDE

    Chargée de recherches, Centre d’Etudes en Habitat Durable
    Charleroi, Belgique

     

    Aviso ao artigo em português

    Este artigo foi escrito primeiramente en francês para uma audiênca francófona e potencialmente não familiarizada com o Brasil. Como resultado, alguns esclarecimentos precisaram ser feitos, o que não teria sido necessário para uma audiência de língua portuguesa e / ou familiar ao Brasil. Para esta tradução, optamos por deixar todos esses detalhes. Para a versão francesa, todos os trechos das entrevistas foram apresentados em português e em uma tradução francesa proposta pela autora.
    Agradeço a Ananda Melo King por revisar a tradução e por destacar pontos de atenção. De fato, a análise apresentada neste artigo é baseada em dados coletados em 2006-2007. Desde então, a introdução de cotas para pessoas negras, inicialmente limitada a universidades públicas, expandiu-se. Além disso, a reivindicação do estigma em relação aos termos usados para fazer referência ao outro agora também toca o termo preto: gradualmente as pessoas se referem umas às outras como “preta”, “preto” com muito mais frequência. Por fim, o eixo identitário identificado com base nesses dados parece se desenvolver cada vez mais, muito além de sua iniciação pelo Movimento Negro Unificado: reconhecer-se negro hoje no Brasil é uma questão identitária-cultural que caminha em paralelo, ou para além, dos movimentos ativistas. O reconhecimento passou a ser de si mesmo enquanto indivíduo detentor dos mesmos direitos; passa também pela questão psicológica e social de se aceitar e de ser.
    Como os entrevistados, por definição, estavam vivendo num outro momento, não mencionamos isso na análise. Note que estes elementos reforçam o fato de que é possível entender como as alter-declarações são construídas. Nós nos permitimos estender essa observação às auto-declarações.

    Référence électronique

    Cassilde S., (2018). « Embranquecer por linguagem Uma análise das alterdeclarações de cor/raça no Brasil », [En ligne] La Peaulogie 1, mis en ligne le 01 juillet 2018, URL : https://lapeaulogie.fr/article/embranquecer-por-linguagem-uma-analise-das-alterdeclaracoes-de-cor-raca-no-brasil

    Resumo

    No Brasil, as declarações de cor da pele / raça são coletadas para fins estatísticos desde 1872. As categorias propostas não são definidas, deixando os respondentes livres para escolher o que lhes convém. É por isso que a literatura é unânime quando enfatiza que essas declarações são construções sociais que podem levar, em particular, a um fenômeno lingüístico de embranquecimento (escolher uma categoria mais clara do que a de uma descrição puramente física). No entanto, essas declarações são usadas para compilar estatísticas e interpretar fenômenos de desigualdade e discriminação. O debate sobre a confiabilidade dessas afirmações, a fim de alcançar tais estatísticas, foi capaz de cristalizar-se sobre a oposição entre auto e alter declaraçãoes, sendo a primeira considerada mais propícia à embranquecimento. Mas a alter declaração não tem sido objeto da mesma atenção para analisar o seu funcionamento e verificar que seria menos propenso ao embranquecimento. Prosseguimos com base em entrevistas nas quais a mesma pessoa (a pesquisadora) era descrita pelos entrevistados; e destacamos a dimensão lingüística do embranquecimento no Brasil por meio de dois eixos (a influência das características socioeconômicas e da cordialidade). Enquanto o posicionamento identitário das reivindicações do estigma está mais na direção de um escurecimento.

    Palavras-chave

    Alterdeclarações, Brasil, Construção de identificação, Cor da pele, Embranquecimento, Linguagem, Raça

    Aviso ao artigo em francês – Terminologia

    Este artigo discute as cores da “pele” e “raças” no Brasil. Escolher estes termos no título e no texto para mantê-los em português (cor, raça), a fim de reportar a terminologia utilizada, inescapável em um contexto brasileiro, não invalida seus escopos e as questões relacionadas. A abordagem compreensiva da autora, no sentido de Max Weber, visa descrever as categorizações utilizadas e seus efeitos nas construções de identidade associadas a essas categorizações. Isso, entretanto, não é de forma alguma uma indicação das práticas de linguagem usadas em caráter pessoal pela autora. Nós definimos raça como uma “construção social desenvolvida primeiro por pessoas racistas, que associam um elemento físico a um elemento moral”[1] (Cassilde, 2010a: 6).

    Se as raças não existem, os movimentos racistas e anti-racistas usam este termo. A referência contemporânea à raça negra no Brasil visa apoiar uma modificação da representação estatística, especialmente pelo Movimento Negro Unificado, para tornar visíveis todos os afrodescendentes. Assim, a categoria negra agrega as categorias preta e parda coletadas separadamente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cabe aos partidários dessa agregação apoiar o estabelecimento de ações afirmativas, incluindo cotas de acesso a universidades públicas, constituindo a primeira política pública a utilizar tal critério no Brasil. De fato, uma vez que a abolição da escravidão foi decretada, a lei brasileira nunca incluiu leis segregacionistas como nos Estados Unidos, ou no Apartheid na África do Sul. No entanto, como salienta Dominique Vidal, “miscigenação como raça é baseada em uma ficção e, em um país onde o elemento preto é desvalorizado, sua idealização limita a emergência e o alcance das reivindicações daqueles que carregam os traços mais visíveis”[2] (Vidal, 2009, 18).

    O quesito cor, que é usado para coletar a variável cor/raça no Brasil agrega os dois termos: Qual é a sua cor ou raça? Cassilde (2010b) aponta que as pessoas têm a capacidade de responder em ambos os registros, enquanto mostram uma preferência por um ou outro, a cor referindo-se a uma fluidez de categorizações (a possibilidade de escolher dentro de mais de cem termos[3]) enquanto a raça se articula com uma polaridade (escolher branco ou negro). Como resultado, mantemos o dueto cor/raça para este artigo para designar a resposta ao quesito cor. Vale apontar que o posicionamento fluido ou mais fixo do respondente só surge quando a declaração é feita. Quando a declaração indica claramente o registro, apenas um dos termos será retido. Notemos imediatamente a desigualdade da capacidade de revelação desta escolha: se um termo específico (negro) permite imediatamente indicar o registro da raça versus o registro da cor[4], a palavra branca é única em ambos os registros.

    Todas as traduções do português para o francês são da autora.

    Introdução

    Beatriz: No seu registro, que cor você tem no seu registro.

    Pesquisadora (francesa): Não, não existe registro sobre a cor.

    Beatriz: Não, tem sim, quando você nasce eles colocam que cor é, se você é negro, se você é branca.

    P: Lá não tem.

    Beatriz: Se você é pardo, é […] você tem um cruzamento de índio com branco, de preto com branco, e tem esse negócio de mulato, então é por isso que aqui no Brasil tem essa variação de cor, de ser branco, de ser pardo. Pardo é uma cor, não é nem moreno, nem branco, esse tipo de cor, eu não sou ligado a essa coisa não. Não existe?

    P: Não.

    Beatriz: Então você não tem uma cor definida no registro?

    P: Não existe registro lá para isso.

    Beatriz: Que você sabe que cor? […] no nosso registro está lá se é branco [silêncio].

    P: Não existe, não perguntam e tudo.

    Beatriz: Ah é, então todos são da mesma cor que você?

    P: Não se fala [silêncio] disso.

    Beatriz: Ah, aqui não, aqui [silêncio].

    O trecho da entrevista com Beatriz, ressaltado por este artigo, indica seu espanto quando descobre que a cor da pele não é mencionada nas certidões de nascimento na França. No Brasil, essa menção existiu até 1988.[5]

    No Brasil, declarações de cores da pele / raças foram recolhidas para fins estatísticos desde 1872. Na véspera da abolição da escravidão (1888) era importante para as autoridades brasileiras conhecer a composição de sua população por raças[6]: em 1872, o termo preto identificava escravos, enquanto o termo pardo significava pessoas livres, não brancas. A abolição da escravidão implica a integração de pessoas anteriormente escravizadas à nação brasileira, enquanto o imaginário social racista ainda está marcando essas pessoas. O desafio para as autoridades brasileiras é então manter um critério de diferenciação dentro de sua população sem ameaçar a unidade nacional: é a cor/raça que é investida para desempenhar esse papel (Nascimento, 2006). A cor/raça é, portanto, um elemento fundamental da ideologia fundadora da nação brasileira (Guimarães, 2008; Nascimento et Ribeiro, 2008). Entre os censos de 1890 e 1940, o item foi excluído (em 1900 e 1920) ou o censo não ocorreu (em 1910 e 1930). Por sua vez, o censo de 1940 permite que as autoridades vejam os efeitos de sua política migratória sobre a composição da população por cores[7]. De fato, o desejo de branquear (sic) sua sociedade após a abolição da escravidão (Coelho, 2006: 163) faz com que uma imigração seja escolhida. O governo brasileiro favoreceu então a chegada de italianos, japoneses e alemães, em particular. Análises históricas falam de “ideologia do branqueamento” para designar essa política migratória, bem como o papel esperado da miscigenação nesse contexto (Bennassar et Marin, 2000; Hofbauer, 2006). Expressões, relatadas por Adesky (2001), como limpar o sangue ou clarear a barriga relatam sobre este período. Ao mesmo tempo, a fim de manter a congruência dos fatos com este imaginário (racista), pessoas de pele escura com status socioeconômico significativo são categorizadas como tendo pele clara: o ditado popular “o dinheiro embranquece” resume esta operação lingüística. Isso é possível pela falta de definição oficial das modalidades de resposta para declarar sua cor ou raça:

    “A ausência de uma linha de cor marca a principal diferença entre a ordem pós-abolicionista brasileira e a de países igualmente escravistas […]. Para Marx (١٩٩٧) essa diferença é justificada pelo temor das elites dirigentes brasilieiras quanto à possibilidade de eclosão de conflitos raciais que viessem a inviabilizar a manutenção da unidade do Estado-nação” (Brandão et Silva, 2008: 425-426).

    Quando a política do branqueamento é oficialmente abandonada em favor da ideologia da democracia racial, mais integradora, os mecanismos subjacentes permanecem semelhantes:

    “A linguagem da cor consolidou a representação da sociedade brasileira como uma nação arco-iris, inclusive por definição. A referência a uma identidade nacional centrada no conceito de cor permitiu mobilizar grupos raciais e étnicos não brancos, ao mesmo tempo em que assegurou sua incorporação como parte do modelo de mestiço national” (Nascimento, 2006: 27).

    Do censo de 1991 o quesito cor (nome do item a partir do qual a coleta estatística é conduzida) leva sua formulação atual, articulando de uma só vez cor e raça: a pergunta Qual é a sua cor ou raça? – deixa a escolha ao respondente de acordo com um registro ou outro (cor ou raça). Para Philippe Bataille, a “pacificação do clima racista é baseada na representação de sua expressão”[8] (1997: 25). Não é, portanto, trivial que os dois registros, cor e raça, coexistam para coletar essa variável estatística no Brasil.

    Os efeitos sobre a sociedade contemporânea estão no processo de categorização: de fato, a linguagem se torna uma variável de ajuste entre uma realidade e a percepção desejada. Além disso, latentemente ainda há uma polarização do espectro de cores entre o sujeito branco, valorizado e o sujeito preto, desvalorizado (Brandão et Silva, 2008: 426). As declarações de cor/ raça são individuais: pode-se ver que duas pessoas semelhantes optam por categorizações diferentes. Esta mobilidade, autorizada individualmente, é qualificada por Alejandro Lipschütz de “hipocrisia racial” (1937/1944). Em seguida, ele visa mais especificamente o ditado popular o dinheiro embranquece, isto é, o fato de que, à medida que o status econômico e social aumenta, a afirmação da cor tende a ser mais clara, enquanto a cor da pele em si não muda. A hipocrisia racial é declarativa, é um ato de fala. Alejandro Lipschütz também fala de “pigmentocracia” para se referir à congruência entre status social e declarações de cor/raça.

    Por ocasião de um censo, uma campanha de comunicação do Movimento Unificado Negro encorajou os entrevistados a não “deixar sua cor em branco”. De um modo geral, as declarações de cor/raça são percebidas como endógenas, isto é, como uma construção que leva em conta as características socioeconômicas das pessoas, construção esta que foi e continua sendo enfatizada abundantemente na literatura (entre outros: Adesky, 2001; Byrne et al., 1995; Cassilde, 2008; Coelho, 2006; Harris, 1964; Harris et Kotak, 1963; Lipschütz, 1937/1944; Nogueira, 1998; Osório, 2003; Paixão et Carvano, 2007; Piza et Rosemberg, 2002/2003; Silva, 1999; Skidmore, 1992; Telles, 2014).

    Este artigo enfoca um ato de fala específico: o embranquecimento através das alter-declarações. De fato, o debate sobre a confiabilidade dessas declarações para alcançar tais estatísticas foi cristalizado em uma oposição entre auto e alter declarações, sendo a primeira considerada mais propícia ao embranquecimento. Mas a alter declaração não tem sido objeto de muita atenção para analisar o funcionamento do racismo e verificar que este dispositivo é menos propenso a indicar embranquecimento. Primeiro, descrevemos o contexto da pesquisa e o conjunto das entrevistas. Então, destacamos as distinções entre auto e alter-declarações. Por fim, apresentamos os resultados de nossa análise: os três eixos estruturantes na construção das alter-declarações.

    1. O contexto da pesquisa

    Este artigo baseia-se na análise de alguns dos materiais coletados durante uma pesquisa de campo de nove meses (novembro de 2006 a julho de 2007) em São Paulo, Brasil, dedicada à compreensão das declarações de cor da pele. Este material inclui entrevistas, questionários, fotografias, observações e o uso de um diário de campo. Aqui, mobilizamos o conjunto de 48 entrevistas, oito das quais reúnem dois encontros com cada um dos informantes, e uma outra é coletiva (feita com três irmãs). Dentro delas, identificamos as passagens relevantes para a análise, ou seja, as alter-declarações em relação à pesquisadora, que é a mesma pessoa para descrever para todos os informantes.

    Vamos anunciar imediatamente que as declarações feitas para nos descrever abrangem todo o espectro de cor/ raças (do negro ao branco), o que possibilita a realização da análise. Ao longo do campo, mantivemos uma aparência estável adotando um tipo de uniforme de campo (veja a Fotografia 1), o que nos permite focar apenas no ato de linguagem. Trata-se de estabilizar a nossa aparência, seja a cor da pele, o penteado ou a maneira como nos vestimos para o entrevistado (adotamos algum tipo de uniforme de campo) e a inscrição socioeconômica que o terceiro poderia escolher para se associar à nossa aparência. Nós nos apresentamos como uma estudante francesa vindo pela primeira vez ao Brasil e não tendo ascendência brasileira eenfatizamos que trata-se da verdade. Isso, sem dúvida, contribuiu para que os entrevistados dessem tempo, quando surgiu o assunto da cor/raça na entrevista, para explicar mais detalhadamente suas respostas, inclusive descrevendo-nos.

    Fotografia 1 : Pesquisadora no campo – Reportando sobre a pessoa descrita nas entrevistas

    Fonte: S. Cassilde, 14/12/2006 no contexto dos questionários

    Para a análise de conteúdo, estamos interessadas nas modalidades de emersão desta alter declaração[9], na proximidade-distância comparada com a pessoa descrita (ver Fotografia 1) e, em particular, para identificar se a alter-declaração é portadora de um embranquecimento, escurecimento ou corresponde com a pessoa descrita. Por fim, analizamos a justificação da escolha de uma palavra ao invés de outra para cada uma das alter-declarações. Uma dificuldade de análise reside na distinção entre embranquecimento, escurecimento ou escolha correspondente. De fato, depende de como a pesquisadora deve ou deveria ser categorizada no Brasil. No que diz respeito à definição de embranquecimento linguístico, no caso em que os respondentes atribuíram a cor/raça branca, isto obviamente constitui um embranquecimento através da linguagem. Para o resto, procedemos da seguinte forma: quando nossos vários interlocutores nos pediram para nos identificar, nos deparamos com uma dificuldade dupla: influenciar o menos possível a investigação sem recusar responder, colocando-nos num quadro de referência em que não fomos socializados. Com uma foto de família, incluindo nossos pais, optamos por responder “mulata” a essa questão. Por um lado, é um termo credível porque reflete a ancestralidade de nossos pais, como teriam sido percebidos no passado em um contexto brasileiro (cada um deles está no extremo do espectro de cor/ raça)[10].Por outro lado, trata-se de um termo raramente utilizado atualmente, o que possibilita responder ao mesmo tempo em que se está à margem das palavras mobilizadas pelos entrevistados. Isso não resolve a questão da ancoragem para definir completamente os limites do embranquecimento nas alter-declarações. De fato, do ponto de vista de um posicionamento mais político, como o do Movimento Negro Unificado, devemos ser categorizadas como negra por causa de nossas origens. Portanto, escolhemos relembrar esses dois pontos, a partir dos quais é possível identificar que há um embranquecimento através das alter-declarações dos informantes, delimitando uma magnitude mínima e magnitude máxima. Assim, de acordo com nossa declaração como uma mulata, a grande maioria dos entrevistados nos embranqueceria, enquanto algumas outras alterariam nossa cor “verdadeira” e apenas um informante a teria escurecido. Com outra autodeclaração, escolhendo o termo morena por exemplo, a maioria dos entrevistados nos daria nossa cor ‘verdadeira’, três pessoas nos embranqueceriam e um pequeno grupo de pessoas nos escureceria. O ponto de ancoragem entre auto e alter-declarações é, portanto, flutuante, porque o auto-declarante realiza suas próprias arbitragens. Levamos isso em consideração para a análise.[11]

    Antes de apresentar os resultados desta análise, fornecemos detalhes de auto e alter-declarações para destacar o que os une e o que os distingue.

    2. Auto e alter-declarações de cor da pele

    O fato de os enunciados da cor da pele serem construções sociais que podem não corresponder à aparência física das pessoas é universalmente reconhecido na literatura. No entanto, isso não é considerado nas análises estatísticas, onde as categorias são usadas como “confiáveis”, em particular para medir desigualdades ou discriminações. As discussões se concentraram na melhor fonte de dados a serem mobilizados para reduzir os vieses de identificação. Assim, um debate opõe os tipos de declarações. A questão é qual seria a menos influenciada pela consideração dessas características, se elas estão relacionadas ao status socioeconômico da pessoa (nível de instrução, nível de rendimento, lugar de residência, etc.), a certos elementos de sua aparência corporal (o cabelo, como estilizá-lo, por exemplo), a outros elementos de sua aparência física (roupas, os custos supostamente mais altos dessas roupas, etc.) ou qualquer outro elemento (veja entre outros: Batos et al., 2008; Hill, 2002; IBGE, 1970; Lim et Telles, 1998; Miranda-Ribeiro e Caetano, 2005; Paixão et Carvano, 2007; Piza et Rosemberg, 2002/2003; Moraes Silva et Paixão, 2014).

    Acima de tudo, o esclarecimento através de declarações é o objetivo aqui, porque carrega o imaginário racista apresentado na introdução. Ao se descrever, uma pessoa propõe uma categorização mais confiável (sem embranquecimento) do que ser descrita por um terceiro? De fato, a autodeclaração continua sendo a modalidade de coleta aconselhada pelas Nações Unidas (recomendação 2.1662 em 2008), mas é a mais criticada por diversos pesquisadores que estudam as desigualdades e as discriminações no Brasil, que preferem a declaração por uma outra pessoa, considerada menos influenciável e mais informativa das interações discriminatórias, em que é o terceiro que prossegue, se necessário, com a promulgação de discriminação (cf. Telles para um livro recente, em 2014). No entanto, a alter-declaração em si não tem sido objeto de muita atenção para analisar os seus mecanismos e verificar que ela é menos propensa a embranquecimento. Como resultado, porquê a construção de alter-declarações estaria a priori fora de influências sociais que tocam as auto-declarações?

    Note-se que no momento do nosso campo (2006-2007), os cremes clareadores são usados muito pouco de acordo com as pessoas atendidas (seja na manutenção ou em todas as trocas informais relacionadas ao campo), ao contrário do que pode ser encontrado em outros países (Camarões, França, Senegal, etc.). Em nosso diário, documentamos a única menção desses cremes em nosso campo por uma pessoa apenas para desenvolver o mercado buscando reduzir o preço (o custo relatado por essa pessoa corresponde a cerca de um quarto do salário mínimo para um tubo de 40 ml de creme). A atualidade do uso de cremes clareadores no Brasil é um fenômeno a ser seguido, não mobilizado aqui por causa do contexto no campo.

    A cor da pele, quando manipulada ou controlada, o que não é comum para os nossos entrevistados, é evitada à exposição ao sol. Por outro lado, o cabelo pode ser objeto de um investimento importante, tanto simbolicamente quanto em investimento de tempo e dinheiro, sendo o cabelo liso, nas representações, preferido e mais valorizado que o cabelo encaracolado ou crespo. Embora não seja objeto de uma coleta específica, esse fenômeno aparece regularmente e espontaneamente nos discursos dos entrevistados. O fenômeno é analisado aqui na medida em que está intrinsecamente ligado a certas afirmações, mas não tem sido objeto de uma análise dedicada como Sméralda (2004) ou Melo King (2009), que enriquecem (é isso que vc quer dizer?) nossa análise.

    3. Elementos de construção das alter-declarações no Brasil: situando o embranquecimento por linguagem

    Alter-declarações como construções multidimensionais

    Os três trechos a seguir ilustram que as alter-declarações são construções multidimensionais:

    Aparecida: Eu, sou da parte índia. A minha avó, a minha bisavó era índia. A minha avó, era da sua cor, tinha o cabelo muito muito [a palavra ‘muito’ está mais acentuada] liso.

    […]

    Aparecida: Se ela é da sua cor ela fala: morena.

    Ademar: Meu pai negro, minha mãe, ah vai, ela não chega [silêncio] é da sua cor.

    Pesquisadora: Uma pessoa já perguntou a você a cor das pessoas da sua família antes de mim?

    Gerson: Perguntaram sim, é gozado, porque eu tenho um sobrinho que é meio moreno, ele é moreno, mais moreno que você. Aí falou: ‘por que ele é moreno’, ‘ah e tem mais dois sobrinhos que são morenos’, ‘e o resto da família é tudo branco?’. Eu falei: ‘ah, não sei’ não é, ‘não sei não’. O pai dele era um pouco mais moreno, não é? Aí eu falei: ‘ah, deve ter puxado o pai’. Porque depois os outros irmãos dele são em 9, 10, sei lá, nem sei te precisar, os outros são mais brancos, mas aí já é outro pai, o pai é mais branco, acho que é isso, não é? Deve ser isso.

    Antes de verbalizar a alter-declaração, os elementos levados em conta para a construção são revelados. Há de fato a cor da pele, mas também a natureza do cabelo, a ancestralidade, a comparação com outras pessoas. Todos os informantes que conhecemos estavam cientes de que as declarações são construções.

    Além das justificativas, é possível observar as hesitações para finalmente não verbalizar a alter-declaração. Por exemplo, também sabemos que Ademar descreve sua mãe como negra, mas aqui ele não diz isso e opera um deslize do registro da raça para aquele da cor, o que lhe permite levar em conta o fato de que seus pais não têm exatamente o mesmo tom de cor da pele.

    As alter-declarações articulam cor e raça

    Esses três extratos ilustram a capacidade dos informantes de mobilizar um ou outro registro (cor ou raça) para proceder à alter-declaração.

    Pesquisadora: Posso ser também negra ou mulata?

    Caetano: Eu acho que não, porque o mulato, na minha concepção, é uma cor muito característica, seria mais escuro que você. [silêncio] Por exemplo, você já entrevistou a Bruna, a Bruna para mim é mulata. [silêncio] Como eu, eu no meu registro está branco, mas também poderia me considerar moreno, pelo meu tom de pele, não é? Então, moreno também.

    Mônica: Ah, uma pessoa parda é igual a você.

    […]

    Mônica: Não é nem negro e nem branco. É mais ou menos. [risos]

    […]

    Mônica: […] Você não é nem clara, que nem eu, e nem escura. Essa é uma pessoa parda. [risos]

    […]

    Mônica: [silêncio] parda é uma pessoa mais clara que um negro, entendeu?

    Edite: E a morena é a pele, você é morena, você não é branca você é morena, eu sou morena.

    Isso também é compartilhado por todos os nossos informantes, mesmo que eles possam escolher um ou outro, seja por escolha pessoal ou de acordo com as circunstâncias[12].

    Os três eixos de construção da alter-declaração

    Além dos elementos descritos acima, identificamos três mecanismos principais envolvidos na construção das alter-declarações, que chamamos de eixo socioeconômico (axe socio-économique), eixo da identidade (axe identitaire) e eixo cortês (axe courtois).

    O eixo socioeconômico refere-se à internalização da ideologia do branqueamento na época da democracia racial (Moreira Leite, 1969/1983; Petruccelli, 1996; Enders, 1997; Nolasco, 1997; Schwarcz, 1997; Mérian, 2003; Hofbauer, 2006). Nesse imaginário social, tudo é medido pelo padrão da pele branca e dos cabelos lisos: aproximar-se significa beneficiar-se de uma melhora e vice-versa. É por isso que, nesse imaginário, não alisar o cabelo, por exemplo, está associado à falta de meios financeiros e, portanto, a um status socioeconômico mais baixo: o provérbio popular “o dinheiro embranquece”, sempre linguisticamente só porque o dinheiro não é usado para mudar a cor física da pele.

    Pesquisadora: ‘Cabelo ruim’, o que significa ‘cabelo ruim’?

    Diogo: O ‘cabelo ruim’ é o cabelo de negro, aquele cabelo que há dificuldade em pentear [silêncio] e tem o ‘cabelo bom’ que é o cabelo do branco, não é? Então o cabelo do negro é um cabelo ruim de pentear. O nosso cabelo, o meu e o seu e o da minha filha está entre esse ruim de pentear, e esse branco que é fácil de pentear. Então eu deduzo que nós temos o cabelo crespo.

    P: O cabelo crespo.

    Diogo: Certo? [silêncio] Eu acho que é isso.

    Diogo: […] desse salário tem um quinhão, desse salário, um percentual desse salário, que é exatamente para isso. Para cuidar da aparência, e essa aparência cai na transformação do cabelo.

    Uma pessoa que tenha sido socializada nesse imaginário social respeitará um tipo de suposta associação entre o status econômico e social e o tom da cor. Esse eixo afeta toda a sociedade brasileira, conforme sublinhado pela autodeclaração de Ianni (1966/2004: 71), mas também outros autores (Osório, 2003: 13).

    “Helena me define como morena, mas ela especifica que para o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] eu seria branca” [extraído do diário de campo – 16/11/06].

    A alter-declaração do IBGE, suposta por Helena, reflete muitas situações de interação entre um pesquisador do IBGE e um entrevistado não branco (este entrevistado em geral é afiliado a uma universidade)[13]. Esta ainda é uma manifestação do proverbio popular, o dinheiro fazendo aqui referência ao estatuto social em relação ao emprego.

    O segundo eixo – o eixo da identidade – toca uma parte específica da sociedade brasileira porque esse eixo não é sistematicamente ativado. Pode ser ativado de duas formas diferentes e não exclusivas: (i) a visibilidade do posicionamento político e/ ou cultural da pessoa descrita e/ ou (ii) o posicionamento político da pessoa que descreve. Assim, se a pessoa cuja cor/raça vai ser declarada for reconhecida política e/ ou culturalmente como negra, deve ser visível para o indivíduo que fará a declaração. O fato de não alisar o cabelo pode ser interpretado desta maneira, especialmente se o indivíduo não o alisar e tem os meios financeiros para fazê-lo.

    Diogo: Sou pardo. Pardo.

    P: E o que você pensa da palavra ‘pardo’?

    Diogo: Então o pardo [silêncio] é… é essa união que eu falei para você, essa mistura [silêncio] do europeu, do [trecho não compreensível – 04:51] do europeu do índio e o negro. Não é? Não é? Esse é o pardo. O meu filho, a minha filha a minha mulher é de descendência de português, de português, então a minha filha ela é alta [a palavra ‘alta’ está mais acentuada] de altura de homem, e ela tem o cabelo menos crespo que o seu, é o cabelo liso, mas grosso. O meu filho tem o cabelo mais grosso do que o da minha filha, então o meu filho puxou do lado da minha família e a minha filha puxou do lado da minha mulher, que é descendente de português, não é? Então ela tem o cabelo fino, liso, então ela tem um cabelo liso, mas um cabelo grosso, mas é fino, porque vem de português lá atrás. E a minha filha tem um cabelo longo que vem até aqui assim, não é? […] Aqui assim, ela faz chapinha, essas coisas para ficar tudo liso e tal. O meu filho não, o meu filho já usa dread. Sabe o que é dread? Aquele, que faz aquelas, o negro. O negro costuma fazer, principalmente quando ele tem uma cultura negra. O cabelo para ele é uma coisa de mocidade, está fazendo engenharia ambiental, então ele está numa fase, que eu gostaria de ter vivido na minha época, mas era proibido neste país, ter aquele cabelão.

    Como parte da pesquisa de campo, apresentamos nosso assunto de pesquisa da seguinte forma: queremos entender como escolher uma palavra ou outra para descrever as cores da pele. Em quase todos os casos, nossos interlocutores dividiram o seguinte entendimento sobre o assunto: que é preciso estudar os negros no Brasil (está implícito para eles que a “cor da pele” no assunto não pode ser branca. Entretanto, incluímos todos os informantes, independentemente da sua cor de pele). Diante de uma pessoa que se envolve em uma discussão sobre as cores da pele, o alter declarante tem a sua própria interpretação sobre o assunto: ao fazer a sua declaração, procura em primeiro lugar ter certeza de que a pessoa cuja cor/raça ele deve declarar é políticamente e/ ou culturalmente envolvida com a negritude ou se assume como pessoa negra, que é o termo escolhido para a alter-declaração. Em segundo lugar, é o compromisso político do alter-declarante que conta, independentemente das preferências e da escolha do indivíduo cuja cor/ raça será declarada.

    Seja qual for a sua cor/raça, se o alter-declarante compartilha esse compromisso, ele implementará uma separação cromática binária dentro da sociedade brasileira, cujos indivíduos são então percebidos como negros ou brancos. Para Bruna, é a proximidade do dia da conciência negra que desperta sua posição política em relação aos outros.

    Extratos da primeira entrevista [quatro dias antes do dia da conciência negra]:

    Bruna: Você veio numa data bem propícia, porque dia 20, segunda-feira, é o dia da consciência negra, no Brasil. […] Eu me determino como negra. […] Jamais eu vou me determinar parda ou outra coisa.

    […]

    Bruna: Eu te vejo como negra, porque pelos seus traços você tem descendência negra, não é?

    […]

    P: E para você, qual é a minha cor, por exemplo?

    Bruna: Para mim você é negra. [risos]. Eu te vejo como negra, porque pelos seus traços você tem descendência negra, não é? Então eu determino isso, pelos traços, pelo conjunto, não é? Nariz, os lábios, os cabelos, o perfil, sabe? Então eu analiso isso para determinar a cor da pessoa, porque apesar de você ser até um pouco mais clara do que eu, não é? Mas o que predomina é o seu tom de pele é mais pro… Então seria o moreno, não, eu determino como o negro.

    Extratos da segunda entrevista [dois meses e meio depois]:

    P: Qual é a sua cor da pele?

    Bruna: Agora estou mais moreninha por causa do sol.

    […]

    Bruna: Eu por ser da raça negra me determino como negra, mas não sou negra.

    […]

    Bruna: Você é uma morena.

    […]

    P: Quando o IBGE pergunta qual é a sua cor, o que você responde?

    Bruna: […] Eu me determino como negra.

    Dependendo se a pessoa descrita compartilha ou não deste compromisso político com a negritude, este eixo favorece um escurecimento (se não o compartilha) ou o aponta (se o compartilha). Dentro do campo de reposição da cor, ele encoraja a situar a alter-declaração em um extremo ou outro do espectro do mosaico de cores brasileiro.

    Finalmente, o terceiro eixo – o eixo cortês – está ligado à chamada cordialidade enraizada na sociedade brasileira, segundo Sérgio Buarque de Holanda (1936/2006). Em primeiro lugar, este é um assunto sobre o qual se evita falar.

    Diogo: A sua cor? [silêncio] Sua cor. É mulata também, porque é essa mistura, eu acho, mistura do branco. Não vamos discutir isso agora que não há necessidade, não é? Você é uma francesa que tem mistura…

    Em segundo lugar, a polidez torna necessário, caso seja obrigatório fazer tal declaração, embranquecer o interlocutor. Adriana sabe como articular este eixo quando julga necessário:

    “Adriana me define como mulata, mulata clara, clarinha » [extraído do diário de campo – 16/11/06]

    Entretanto, ela está ciente do imaginário que esse eixo cobre e se recusa a usá-lo em outras circunstâncias:

    Adriana: […] para não chamar a mulata de mulata, ou de parda, se convencionou chamar de morena.

    P: E por que não [trecho não compreensível27:40] mulata?

    Adriana: Porque mulata é muito mais bonito, eu não sei por que, não é ofensivo. Eu não sei, as coisas vão parece que para amenizar o fato de ela ser mulata. Mulata é mulata, branco é branco, negro é negro, japonês é japonês, coreano é coreano. As pessoas têm que assumir o que são. Não adianta eu amenizar, chamar você de morena ao invés de mulata, para amenizar a sua situação. O fato de você ser mulata é humilhante para você. [silêncio] Você não acha isso? Eu acho isso é humilhante! Eu estou te humilhando, porque eu estou achando que você precisa de um favorzinho meu. Você precisa de favor, eu não vou te chamar de mulata porque eu sou boazinha, vou te chamar de morena. Ah, coisa ridícula! [risos] Sabe?

    Note-se que, em caso de conflito entre o auto-declarante e o alter-declarante, esse eixo é invertido: a descortesia, então, indica em espelho o funcionamento da cortesia. É importante não embranquecer a pessoa descrita:

    Juliana: […] Você é branca, não é?

    P: Eu? Não sou. Não sou branca.

    Juliana: Morena? É mais um pouco.

    É importante ressaltar também o tom usado por Juliana durante a entrevista que nos fala da natureza tensa dessa troca, o que nos permite analisá-la dessa maneira. Este eixo não é ativado sistematicamente. É latente porque a obrigação de cortesia é imposta apenas quando o alter-declarante deve verbalizar a cor na presença da pessoa descrita ou de pessoas que conhecem esta pessoa.

    Conclusão

    Enquanto no Brasil, desde 1872, as estatísticas são produzidas regularmente para medir desigualdades e discriminações de acordo com a cor da pele, as categorias de cor/raça não são formalmente definidas. Essa falta de definição deixa os entrevistados “livres” para escolher. Grande parte da literatura tem se concentrado nas auto-declarações, incluindo o embranquecimento lingüístico (escolhendo um termo mais claro para descrever a si mesmo sem mudar a aparência física), enquanto as alter-declarações são menos analisadas.

    Nossa análise de alter-declações em relação à mesma pessoa ajuda a identificar o funcionamento do embranquecimento por linguagem por um terceiro. Dois eixos destacam-se, com influência na direção de um embranquecimento. Por um lado, a posição socioeconômica da pessoa descrita reflete o ditado popular brasileiro “ o dinheiro embranquece”: assim, com uma aparência estritamente igual ao tom de cor da pele, uma pessoa percebida como relativamente mais rica tenderá a ser descrita por terceiros por termos que a associem a uma cor de pele mais clara. Por outro lado, uma manifestação de cordialidade, baseada em um imaginário racista latente, também influencia a alter-declaração no sentido do embranquecimento: é uma questão de ser cordial com a pessoa descrita, especialmente se ela está presente no momento da alter-declaração. Um terceiro eixo influencia a alter-declaração na direção de um escurecimento: de fato, o compromisso de identidade (no sentido de uma certa aderência aos objetivos do Movimento Negro Unificado) por parte da pessoa descrita ou da pessoa que descreve leva, em quase todos os casos, à escolha da categoria “negra” (com uma dimensão reivindicatória de estigmas), visando reunir todos os afro-descendentes.

    Esse foco na construção de alter-declarações não minimiza o fato de que as autodeclarações são também construtos. Não se trata de argumentar que uma declaração é mais tendenciosa do que a outra: os resultados de nossa análise indicam que a alter-declaração, assim como a autodeclaração, pode levar ao embranquecimento através da linguagem de categoria de cor da pele. Propomos pistas que podem ser compartilhadas pela análise de autodeclarações (a maioria das quais, por causa do ditado popular “o dinheiro embranquece”, é geralmente dita).

    O fato de a construção desses dois modos de declaração serem semelhantes possibilita propor uma explicação para a dificuldade em se destacar qual é a mais tendenciosa. Por exemplo, no caso de um embranquecimento, as duas declarações podem ir na mesma direção, entretanto, uma mais que a outra. Isso sublinha a necessidade de uma ancoragem que seria objetiva para identificar esse movimento, essa distância, essa mobilidade cromática. Além disso, uma atualização seria interessante para acompanhar a evolução dessa construção. De fato, como uma política de cotas está em vigor há cerca de dez anos para o acesso à universidade, seria interessante ver se as identificações estratégicas tornam-se consubstanciais para as escolhas cotidianas mesmo fora do acesso à universidade.

    Obrigado

    Meus mais sinceros agradecimentos aos meus supervisores, Jean-Louis Arcand e Juan Matas. Esta pesquisa recebeu apoio financeiro do Ministério do Ensino Superior e Pesquisa na França, do DAAD e do REFEB, mais especificamente para o trabalho de campo. Agradeço o editor e a.o avaliador.a anônimo.a por seus comentários e sugestões construtivas. Agradeço a Ananda Melo King por revisar a tradução, por nossas trocas sobre o conteúdo deste trabalho e quanto ao momento atual, bem como das evoluções da temática do racismo nos últimos dez anos.

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    [1] « construction sociale élaborée premièrement par des personnes racistes, qui apparient un élément physique à un élément moral. »

    [2] « le métissage comme la race repose sur une fiction et, dans un pays où ce qui a trait à l’élément noir reste déprécié, son idéalisation limite l’émergence et la portée des revendications de ceux qui en portent les traces les plus visibles. »

    [3] Duas pesquisas identificaram 136 (na PNAD) e 142 termos na pesquisa mensal ao emprego; na prática, cerca de dez termos podem ser comumente usados na vida cotidiana, sendo os outros mais raros.

    [4] A palavra negra é utilisada para se referir à raça negra, enquanto o termo preta refere-se à cor preta: inverter esses termos – falar de raça preta ou de cor negra – é insultante.

    [5] . Para uma análise das questões que envolvem a cor/raça indicada na certidão de nascimento, referimo-nos à Cassilde (2016). Retirada da certidão de nascimento, a cor ao nascer, no entanto, continua a ser recolhida através da declaração de nascido vivo produzida por hospitais.

    [6] . Para os censos de 1872 e 1890, a categoria estatística selecionada é apenas a da raça (Carvano et Paixão, 2008 : 40).

    [7] . Para este censo e até 1980, a categoria estatística selecionada é apenas a da cor (idem).

    [8] . « la pacification du climat raciste repose sur la représentation de son expression »

    [9] . A alter-declaração da nossa cor surgiu de acordo com quatro modalidades : (i) o entrevistado pode se posicionar ou posicionar seus parentes relativamente; (ii) o entrevistado também pode usar uma comparação, mas para localizar o nosso cor / raça ; (iii) o respondente nos designa um termo sem recorrer a uma comparação; (iv) o respondente reage a elementos específicos (objeto de campo, autodeclaração quando temos que fazê-lo). Isso poderia ter acontecido espontaneamente ou a nosso pedido.

    [10] . O Tesouro Informatizado da Língua Francesa indica a seguinte definição: uma pessoa mulata é uma pessoa « cujos pais são um branco, o outro negro e cuja pele é bastante escura”. Este termo é muito pouco usado neste sentido inicial, mas pode ser empregado no dia a dia sem que as pessoas se deem necessariamente conta, como por exemplo falando da Globeleza durante o Carnaval. [Nota para a tradução em português: a autora tem conhecimento da conotação negativa da palavra e não atribui peso ao termo por não ser brasileira. O termo foi utilizado visando evitar não responder os interlocutores e evitar influenciar suas respostas].

    [11] . Todos os nomes dos respondentes são fictícios. Entrevistas são deixadas em português enquanto oferecemos uma tradução. É uma questão de manter a riqueza e as nuances dos termos, mas também de tornar acessível a fonte original ao leitor lusófono.

    [12] . Cf. Na seguida do texto o efeito da proximidade do dia da consciência negra.

    [13] . É essencialmente esses pesquisadores que relatam essas situações em seus escritos. cf. E. de A. dos Reis (2002) por exemplo.